domingo, 9 de janeiro de 2011

Intertextualidade: A Cartomante x O Bojunga

Esta história foi baseada no conto “A cartomante” de Machado de Assis, e um fato ocorrido em nossa região e tem o intuito de descrevê-lo, sendo ele parcialmente verídico. Resgatando assim alguns costumes da região onde moramos...
O Bojunga

Nona Elisa dizia sempre aos mais dispersos de sua roda de chimarrão que o Bojunga havia morrido com a cuia na mão!
Em meio a um fim de tarde de Janeiro de 2005, a menina Luiza pegou-se a rir de sua nona Elisa, pois enquanto tomavam mate na varanda da casa e devido à demora de seu pai Ademir em passar a cuia, ouviu o seguinte bordão que dizia:
- Mas bah, o Bojunga morreu com a cuia na mão!
Logo seu pai apressou-se em terminar o que havia iniciado, deixando a conversa um pouco de lado.
No entanto Luiza ficou intrigada com o que a sua nona havia dito e logo quis saber o por quê? Solicitou explicações e todos se olharam e riram como se dissessem: “Você não sabe?”
Com isso o nono Alcides chegou da lida, e logo tratou de adentrar a roda de chimarrão e se prontificou em contar a história...
Dizia ele...
Conta-se que no interior de Dona Chica, ou Dona Francisca, morava um gaudério simples, moreno, alto e magro, porém forte, que usava bigodes compridos, ele também gostava de andar pilchado e que de usar um chapéu de aba larga. Era casado com a Dona Maria, famosa por fazer cucas e pães de amendoim, ambos sovados com tanto carinho que eram apreciados por toda a região. A massa era macia como algodão e o recheio suculento e feito com os mais nobres doces de leite caseiros e pedaços de amendoim que cristalizados, tilintavam na boca...
- Hum, disse Luiza, dá água na boca só de imaginar!
- Bem, continuemos então disse o nono, pois a história ainda não está nem na metade...
Também tivera dois filhos com a Dona Maria, um dos gurizotes até dava gosto de ver, pois gostava de música e cantava que nem sabiá na barranca do rio.
Como de costume chimarreava todos os dias e com a prenda mais nos fins de tarde, pois era a hora de descanso depois da lida diária. Parece que cansava deveras, já que era calmo que nem “água de poço” e passava o dia chimarreando na venda acocorado num banquinho de “Ciro”, como dizia, e no inverno, ia pra caixa da lenha perto do fogão onde era mais quente.
Ele gostava tanto do mate que quando alguém chegava para comprar ele gritava: “Maria vem atender!”, chamava a prenda pra atender no balcão, e não levantava, ficava lá, tomando mate. Como era um homem alto, suas pernas eram compridas, sentava e as entrelaçava, assim como “cobra em combate”, era o único que conseguia fazer isso.
Maria, já acostumada com a situação, como sempre, ia ver o que o freguês precisava e deixava o homem recostado.
O seu bolicho era um dos primeiros por aqui nos aprochegos da cidade. Lá se vendia de tudo um pouco e por isso todos o conheciam.
Bojunga adorava tomar chimarrão e jogar baralho, todos iam ao seu bolicho para comprar e aproveitavam para tomar uns mates e jogar cartas com ele. O local era também um ponto de encontro. Por isso queria, preferia ficar por ali.
Normalmente nos fins de tarde quando o serviço acalmava e dona Maria pedia para darem umas voltas ele não arredava o pé, pois aquela era a hora de ouvir o seu programa de rádio favorito, “o programa do Beto Jordani” como ele costumava chamar. E lá ficava seu Bojunga sentado na varanda de sua casa, de ouvido grudado no seu pequeno e velho rádio a pilha.  Já Dona Maria ficava furiosa, de cara fechada, mas no dia seguinte voltava a insistir, convidando-o novamente.
Mas o que ele gostava mesmo era de ver a Carrera de cavalos, tinha uma hípica que ficava logo ao lado. Então, no sábado esta era mais uma das diversões do seu Bojunga, era um grande apostador, na verdade, embora fosse proprietário de um modesto bolicho, era muito afortunado, herdou terras e economias deixadas pelo seu finado pai, terras as quais ele arrendava pelas redondezas. Seu Bojunga era um grande apostador de Carrera de cavalos, algo que incomodava muito a Dona Maria e que a deixava preocupada, já que sempre havia o risco de perda. Mas seu Bojunga sempre contava com a sorte.

Certa feita apareceu por aquelas bandas um sujeito desconhecido que não pertencia às redondezas, este fato foi motivo de especulação por parte da pequena e pacata comunidade. Todos se perguntavam: “Quem será?” “De onde vem?” “O que pretende?”
No bolicho de seu Bojunga então... O forasteiro era assunto principal das rodas do chimarrão e durante o jogo de cartas. Até que um belo dia para o espanto de todos, o forasteiro surgiu no estabelecimento.  Apresentou-se como Altamir, dizendo ser das bandas de Rosário do Sul e que havia comprado um pedaço de terras por aqui. Era viúvo, um homem de meia idade, sem grandes sinais do tempo, ou seja, aparentava ser até mais jovem.
Logo ele foi se enturmando e passou a fazer parte dos assíduos freqüentadores do bolicho e também passou chamar a atenção de Maria, pois era muito bem apessoado, parecia ser muito cavalheiro, pois era sempre gentil e educado.
Quase todos os dias ele passava na venda para comprar algo e às vezes em vez de ficar na roda de conversa com os homens, se dispersava e puxava umas conversas com Maria enquanto fazia as compras da semana. E com o passar do tempo o encanto aumentou tanto que era até difícil se conterem em rápidos olhares à distância.
E a vida continuava tranquilamente até que certo dia Maria, antes de sair para a missa das dezoito horas, como fazia todos os sábados recebeu um estranho bilhete de um menino da vizinhança que dizia:
“Não vá à missa hoje, me encontre na primeira curva na estrada dos pinheiros, precisamos nos falar. Com estimas, Altamir.”
Ao terminar e ler o bilhete ficou gélida e seu coração quase explodiu de tanta emoção. Por alguns segundos seu pensamento foi longe, mas ao mesmo tempo estava insegura do que pudera acontecer.
E assim Maria passou a fazer o combinado e não ia à missa.  O desvio pelo caminho facilitava, pois era na metade do caminho.
Como Maria saía sempre a cavalo, não demorava a voltar, mas com o passar do tempo a empolgação era tanta que algumas vezes até a hora perdera.
Certa vez o tal menino lhe entregou o bilhete e Bojunga achou aquilo estranho. Ela sorriu e descartou qualquer hipótese inicial, dizendo-lhe que eram apenas algumas compras de última hora, por isso o menino veio buscar.
E o tempo continuou passando e os encontros acontecendo...
Certa manhã, uma das senhoras da comunidade veio comprar pão e perguntou de Maria a Bojunga:
- Seu Bojunga, e Dona Maria como vai? Diga para ela aparecer qualquer dia lá em casa pra eu passar pra ela uma nova receita de bolo!
 Naquele momento Bojunga teve que conter-se em dúvidas, mas não quisera perguntar, receoso da resposta que levaria em troca.
Apenas agradeceu e disse que Maria precisou ir até a casa da mãe para levar-lhe alguns mantimentos, já que havia ficado um pouco doente naquela semana e devido ao contratempo estava acamada.
Mas a sovina da Dona Cecília sabia o que algumas senhoras da vizinhança murmuravam a respeito de Maria e Altamir, sorriu e agradecendo foi embora feliz por notas a cara de susto de Bojunga.
Ao chegar da casa da mãe, Bojunga deu o recado a Maria, mas não deixou de dizer que havia achado estranho Dona Cecília perguntar por ela, já que as duas se viam todos os sábados.
Maria ao querer contornar o assunto, respirou fundo e disse:
- Engraçado, porque eu encontro ela quase todas as vezes que vou à missa... Vai ver que ela se esqueceu de me passar a receita, mas outro dia vou até lá buscar.
Mesmo assim Bojunga ficou com certa desconfiança e Maria percebendo, resolveu avisar Altamir.
Com a diminuição dos encontros e das visitas de Altamir à bodega, a paixão aumentava, mas tinham de conter-se, pois a especulação pelos arredores era tamanha.
Então numa manhã de sexta-feira, Maria precisou ir às pressas até a casa de sua mãe, pois a saúde dela havia piorado.
Neste tempo, deixou a cargo de Bojunga e seus filhos os cuidados da bodega. Nisso adentra o menino do bilhete que Altamir mandara com outro na mão.
Ao chegar à venda, avistou o filho mais novo e perguntou a ele sobre sua mãe.
Ele disse que ela havia ido até a casa da avó, mas que não tardara.
Então deixou o bilhete pedindo que a entregasse, dizendo que eram algumas encomendas.
Quando Bojunga, que havia ido buscar mais água para o mate, adentrou da cozinha e perguntou a seu filho, quem havia estado lá.  Ele explicou que eram apenas uma encomenda feita pelo senhor Altamir e que um menino havia deixado para sua mãe separar.
Mas Bojunga pensou em voz alta:
-Por que ele não esperou que eu separava pra ele?
-Não sei! Respondeu o filho.
Sentou, pegou sua cuia na mão e continuou tomando solito seu chimarrão, tranqüilo e sereno até que as companhias chegassem.
Certo momento lembrou-se do bilhete, franziu a testa e então ele disse:
-Filho, me dê aqui este bilhete, deixe-me ver o que ele quer!
Ao abrir e ler o bilhete deparou-se com os seguintes versos:
“Prenda minha, prenda minha,
preciso hoje te ver,
estamos com sérios problemas,
poderei o dia não amanhecer.
Não falte a nosso encontro
Ele será definitivo,
Peço que fujas comigo esta noite.
Meu amor está sempre contigo.”
              De seu amado, Altamir.
Lendo aqueles versos, Bojunga não pôde segurar tamanha emoção pois aquelas palavras foram tão afiadas como navalha de barbeiro caprichoso. Neste instante, apenas suspirou!
Neste instante adentra a bodega um conhecido pra filar um mate, já que era perto do meio dia. Cumprimenta e apenas os meninos respondem, achou estranho e tentou puxar conversa. Bojunga não fazia cerimônia pra essas coisas, mas ficou recostado e pediu um mate. Então decidiu chamá-lo novamente e cumprimentar com um tapinha nas costas como de costume. Foi neste momento que percebeu que algo estava errado...
Bojunga havia enfartado, ou seja, morrido. A demora em perceber o acontecido, era porque ele gostava muito de tomar mate e às vezes demorava em passar a cuia.
Então, quando alguém demora a passar a cuia na roda do chimarrão, alguém diz: O Bojunga!, ou, O Bojunga morreu com a cuia na mão! A pessoa entende que ta demorando a tomar o chimarrão e se apressa.

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